Por Mário Vieira de Carvalho

Revista Paz e Amizade, n.º 5, ano II/77, pp. 11-12

Lopes Graca e a Cultura Sovietica

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Entre os aspectos relevantes da vida e da obra de Fernando Lopes-Graça, que o Soviete Supremo distinguiu, ao conceder-lhe a Ordem da Amizade dos Povos, figura o valor da sua contribuição para o conhecimento no nosso país, ainda nas condições do fascismo, da cultura soviética. Essa contribuição concretizou-se através das mais diversas formas: concertos, conferências, traduções, ensaios, etc. Vem a propósito lembrar no nosso boletim alguns traços da intervenção cultural do compositor, neste domínio.

Lopes Graca e a Cultura Sovietica f1Comecemos pela "Sonata". A origem da organização de concertos assim denominada, criada sob o impulso e a direcção de Lopes-Graça nos anos quarenta, residiu na própria necessidade de contrapor à "política do espírito" do Estado Novo – na realidade destruidora não só dos mais genuínos valores espirituais do nosso povo mas também marcada pelo proteccionismo à mediocridade, pela repressão sobre os intelectuais progressistas, pela mais abjecta propaganda anti-soviética e anti-socialista – um movimento que, na música, constituísse instrumento de informação e reflexão lúcida sobre a arte contemporânea, ao mesmo tempo, instrumento também de democratização ou descentralização (capaz de subverter o estreito círculo, divorciado da parte mais sã do nosso meio intelectual, em que então decorria a "vida musical portuguesa"). Unindo em torno de si alguns dos mais notáveis e conscientes músicos portugueses (como, por exemplo, a pianista Maria da Graça Amado da Cunha e a cantora Arminda Correia), Lopes-Graça organizou e participou também como pianista em numerosos concertos da "Sonata" que cobriram, praticamente, ao longo de mais de dez anos, o essencial da produção musical contemporânea tanto portuguesa como estrangeira. Como não podia deixar de ser, a arte dos compositores soviéticos ocupou aí um importante lugar. Numerosas obras vocais e instrumentais de câmara de Prokofieff, Chostakóvitch, Chebaline e outros, foram dadas em primeira audição nesses concertos. O próprio Lopes-Graça interpretou, em estreia, no nosso país, várias obras de Prokofieff e, por exemplo, a parte de piano da Sonata op. 40 de Chostakóvitch.

Em 1947, ano do trigésimo aniversário da Revolução de Outubro, e ainda no âmbito das actividades da "Sonata", apresentou pela primeira vez, em gravação, a cantata Alexandre Névsky de Prokofieff, precedida duma conferência sobre a vida e a obra do compositor.

Como crítico musical, publicou numerosos artigos e notas críticas sobre os principais artistas soviéticos, em diferentes jornais e revistas, posteriormente reunidos nas suas obras literárias. As primeiras abordagens sistemáticas da música soviética, e ainda hoje fontes únicas de informação editadas em Portugal, encontram-se no seu livro Introdução à Música Moderna (1942) e no seu monumental Dicionário de Música, organizado em colaboração com Tomás Borba.

Em 1946, traduziu e apresentou a edição portuguesa da obra de Alan Bush A Música Russa Actual. Entretanto, como tradutor, fora já responsável pela edição portuguesa dos Contos Russos (1941).

O interesse de Lopes-Graça pelo povo soviético e a sua cultura não ficou por aqui: também lhe dedicou uma parte do seu labor de artista-criador, ao escrever em 1950-51, uma colectânea de Nove Canções Populares Russas (sobre texto em francês), ainda hoje infelizmente inéditas.

Consciente das responsabilidades sociais e políticas do artista no mundo moderno, Lopes-Graça foi um dos membros fundadores do Movimento dos Intelectuais para a Paz: participou no Primeiro Congresso dos Intelectuais para a Paz, em Wroclaw (Polónia), em 1948. No mesmo ano tomou parte também no Segundo Congresso de Compositores e Musicólogos Progressistas,em Praga.

Fernando Lopes-Graça é sócio-fundador da Associação Portugal-URSS.

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