Por Rogério Ribeiro
Revista Paz e Amizade, n.º 10, ano III/78, pp. 16-17
60 anos decorreram sobre a Grande Revolução Socialista de Outubro.
60 anos densos de acontecimentos que marcaram na história profundas transformações. Transformações sofridas em que duros combates impostos rasgaram o Homem a ferro e fogo. Transformações que abriram também e sobretudo uma ampla clareira que inundou de esperança milhares e milhares de homens por todo o Mundo.
Da importância que para cada um e todos nós teve a Revolução, bastará pensar que a partir dela as opções e perspectivas que se nos colocam são claras e inequívocas.
Não é já um vento de confiança a varrer timidamente corações esperançosos. É uma realidade erguida, fraterna, monumento de vontade e confiança. Mão aberta e solidária de futuro.
Desde os dias ardentes que ergueram o Estado Socialista vitorioso, ao longo e difícil caminho do encontro das suas raízes, até à consolidação, em permanente ajustamento dos grandes objectivos, são testemunho o dia-a-dia dos últimos 60 anos participados de forma exemplar pelos homens e mulheres construindo a vida na União Soviética e reflectindo-a pela grandeza que lhe imprimem no nosso quotidiano.
Não é portanto sem um profundo sentimento de adesão, sem o compromisso dum tácito e reconfortante encontro que se revêem os poemas, textos, comunicados e manifestos, projectos, monumentos, o desencadear de acções, o estudo do móvel, o fato a vestir, o cartaz e o teatro e outros meios inventados de comunicação, que agitaram os primeiros anos de luta, e são ainda hoje perturbadores colocando questões não envelhecidas, adiantando propostas inseridas num eixo de problemas que também e ainda nos preocupam.
A discussão não está esgotada. A imensa avalanche rasgando mil caminhos empenhados ainda hoje abre em nós outros tantos igualmente promissores.
Os homens de então, ligados à cultura, encontraram-se num terreno novo, ali aberto, onde o seu trabalho não tinha o destino de circular entre escassas mãos amigas e algumas cabeças clarividentes; destinava-se a cabeças novas, olhos ávidos, milhares e milhares de punhos abertos mas críticos, construtores de sonhos autênticos e reais, receptivos e frescos, capazes duma forte adesão mas exigentes e participantes.
Não se tratava só de um público novo e mais amplo, não era escrever, pintar, projectar para mais gente e com objectivos despidos da concorrência da sociedade burguesa, não era estarem disponíveis para os acontecimentos e transmiti-los. A mudança de vento não pedia apenas mudança de estacas para suportar o edifício nem o belo vermelho das bandeiras era só o saborear duma outra cor.
Foi mais o que foi preciso e se pediu, e muitos o entenderam.
As actividades multiplicadas por inúmeras tarefas que a remota escravatura e repressão tinham mantido no silêncio pantanoso e infra-humano, clamavam e intervinham nos caminhos recém-abertos.
Aprender a ler e ganhar o acesso à cultura como companheira de luta. Discernir do que ajudava a libertação e do que lhe entorpecia o passo. Aprender, renovar e descobrir. Aprendendo, renovando e descobrindo que o homem novo nasce no próprio construtor e que o trabalho começava em cada um abraçando, numa esforçada e colectiva vontade, os desejos de liberdade, de igualdade e paz. «Um novo sol no coração do homem».
As ideias e conceitos que a perspectiva histórica clarifica mas de que o momento pode dificultar uma leitura completa, é compreensível que conduzissem à utopia, ao lugar confuso e confundido entre meios e objectivos. Outros, completamente outros, conteúdos a reformular surgiram em catadupa. Havia que estripar e esvaziar a ganga presa a muitos anos desvirtuados e naturalmente sentidos perdidos e inúteis no momento. A ânsia, certamente legítima, de acertar o passo, numa história curta a passar-se ombro a ombro, levou alguns a montar novos mitos, a reformular os problemas envolvendo-os numa casca, sem se entenderem com o que à sua volta brotava.
As sementes há muito tempo na terra rebentavam agora ao sol e perante todos os olhos atentos.
Para entender e sentir as novas searas havia que estar nas colheitas, recolhendo também o fruto colectivo com os operários, soldados, marinheiros e camponeses: saber- lhe o gosto e o custo e pesar bem o seu valor.
Assim, dum imenso caudal de intenções, surgem obras perduráveis que pelo acerto da resposta imediata são reconhecíveis como importantes e decisivos contributos para um largo e amplo processo democrático e cultural, quer na reformulação do conteúdo, quer pela forma de abordar e tratar a cultura que hoje em contextos e situações diferentes lhe podem ainda ser aferidos.
Não são portanto estes anos, desde 1921, uma curiosidade histórica e cultural mas uma presença histórica efectiva, necessária e indispensável de conhecer para o avanço duma cultura ao serviço duma sociedade nova.
São constantes e surgem nas centenas e centenas de publicações nos países capitalistas os problemas que os intelectuais levantam, equacionam e apontam como vias de actividade cultural possível. Duvidam e criticam o uso do seu trabalho como se interrogam da sua participação tornada inevitável na corrupção degradante da cultura. Encontram-se como mercadoria de troca e de consumo. Progressivamente se alheiam da realidade e chegam a odiá-la num contexto alienatório e invertido de valores que lhes desvirtuam objectivos implícitos.
Mas a actividade cultural é uma força vital subterrânea imensa, esclarecedora e activa registando e captando o movimento contínuo de transformação cuja seiva se encontra criativamente ligada às massas trabalhadoras que por todo o mundo detêm e conduzem a iniciativa histórica. O futuro encontra-se naqueles que ontem como hoje claramente se colocam na perspectiva revolucionária que os povos apontam. A esta força, a este grande movimento de opinião e luta não é estranho o esforço glorioso da Revolução Socialista de Outubro, nem o esforço que os seus intelectuais desenvolveram no sentido de lhe encontrarem o equilíbrio cultural subjacente a uma profunda transformação histórica.