Pelo General Francisco da Costa Gomes
Revista Paz e Amizade, n.º 10, ano III/78, pp. 4-6
Conferência proferida na Associação Portugal-URSS, no dia 12/Maio/78, perante numerosa e interessada assistência que participou num vivo e prolongado debate
Festejou-se no domingo passado o Dia da Vitória que pôs termo na Europa à guerra mais mortífera, destruidora e cruel que teve lugar desde sempre neste continente.
Mais de 50 milhões de mortos, 100 milhões de feridos e estropiados, milhões de pessoas afectadas moral e psiquicamente, inúmeras cidades e complexos industriais, centros de comunicação e obras de arte completamente destruídos - eis o balanço trágico de 6 anos de guerra.
A rendição incondicional dos exércitos fascistas causou uma enorme alegria na Europa e fez renascer a esperança de que seria possível, finalmente, estabelecer no mundo uma paz justa e fraterna.
No extremo Oriente a guerra prosseguiu. A derrota do Japão foi muito acelerada pelo lançamento das duas primeiras bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki, que causaram cerca de 300 mil vítimas e destruíram completamente estas cidades.
Embora na altura se tivesse proclamado que a humanidade havia entrado numa nova era, poucos homens previram as profundas alterações que se iriam operar em todos os sectores da actividade humana - política, social, cultural, económica, etc. com o advento da idade atómica.
Terminada a guerra, não houve um período de paz. Iniciou-se um período conhecido como o da "guerra fria", caracterizado no campo político pela luta de dois sistemas ideológicos e sociais diferentes - o capitalista e o socialista - e no campo militar pela corrida aos armamentos.
Esta corria que se podia polarizar à volta do mundo ocidental e oriental nas duas grandes superpotências, os EUA e a URSS, veio a criar na Europa, no fim da década de 60, um clima de medo e de angústia, devido ao armazenamento todos os dias de mais armas de destruição massiva nucleares e termonucleares e à possibilidade de poder desencadear a terceira guerra mundial.
O Conselho Mundial da Paz, que desde 49 vinha pugnar pela neutralização das armas atómicas, intensificou a sua luta pela paz e, em ligação com outras Organizações Não Governamentais que também lutavam pela paz, levou os governos europeus, os EUA e o Canadá a iniciarem conversações de carácter político para aliviar a atmosfera.
Passados dois anos de conversações complexas, demoradas e difíceis, assinou-se no dia 1 de Agosto de 1975 a Acta final da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa, na qual se estabeleciam os dez princípios que os Estados signatários deverão observar para intensificar e melhorar as suas relações, impedir a deflagração de novos conflitos e desenvolver um clima de confiança e cooperação mútuas.
Decorridos quase 3 anos sobre a assinatura do Tratado de Helsínquia, verifica-se que houve um natural progresso nas relações políticas, culturais, económicas e humanas entre os países signatários.
Infelizmente não se verificou qualquer progresso no desanuviamento militar. Pelo contrário, pode afirmar-se que se acentuou a corrida aos armamentos. Continuaram a aumentar os orçamentos militares. Hoje gastam-se em despesas militares mais de 40 milhões de contos por dia. Aumentam os stocks de armas de destruição massiva. As armas nucleares existentes podem destruir várias vezes a humanidade. A quantidade de explosivo por cada ser humano atingiu a cifra espantosa de 15 toneladas.
Os vectores transportadores das armas nucleares - mísseis, submarinos e aviões - são cada vez mais sofisticados e potentes. A técnica de condução dos projécteis aos seus objectivos teve um progresso tão espectacular que atingiu o grau de probabilidade de 1, isto é, a certeza matemática. Isto quer dizer que as 12 cidades principais do nosso país podem ser destruídas com um único míssil de ogivas múltiplas; que um submarino atómico moderno, se fizer o lançamento dos seus 12 tubos, liberta bombas com um poder explosivo superior ao somatório de todos os explosivos utilizados na primeira e segunda guerras mundiais e pode causar mais de 70 milhões de mortos, um número superior ao somatório das vítimas de todas as guerras que se conhecem até à presente data; e os EUA ou a URSS, as duas grandes superpotências, podem ver completamente destruídas as suas cidades com mais de 100 mil habitantes e todos os complexos industriais em menos de uma hora.
Foi neste quadro político-militar que o mundo foi surpreendido o ano passado com a decisão da Administração americana de produzir a bomba de neutrões.
O que é a bomba de neutrões? É uma arma termonuclear do tipo da bomba de hidrogénio, com um poder mortal contra os seres vivos muito superior ao de qualquer outra arma equivalente.
Embora os arautos da bomba de neutrões afirmem que é uma arma limpa, flexível e económica, porque destrói os seres vivos deixando intactos os valores materiais, pode ser lançada por variadíssimos meios - a artilharia, mísseis tácticos e aviões - e é uma arma barata, não podemos deixar de a considerar uma arma sinistra e profundamente desumana pela forma como elimina os seres vivos e muito especialmente o ser humano. uma dose equivalente a 10000 rads provoca lesões no cérebro que levam rapidamente à morta; as doses até 250 rads podem ao fim de algum tempo ser mortais, causando horríveis sofrimentos nas pessoas contaminadas.
Propaga-se que a bomba de neutrões é uma arma táctica que deverá ser empregue preferencialmente na Europa para equilibrar ou reduzir a superioridade em blindados das forças do Pacto de Varsóvia. Ora há inúmeras armas anticarro que permite conter com êxito os carros de combate. Se esta arma fosse utilizada com esta ou com outra qualquer finalidade, aumentaria a probabilidade de se desencadear uma guerra atómica generalizada.
A produção de novos sistemas de armas baseadas na radioactividade está em desacordo com o Tratado de Helsínquia e de não proliferação das armas nucleares, destrói a confiança que o desarmamento criou na Europa e no Mundo, e acelera a corrida aos armamentos.
A reacção contra a produção da bomba de neutrões produziu em todo o mundo um amplo movimento de protesto. Por toda a parte pessoas das mais variadas ideologias políticas, culturais e sociais se uniram para em uníssono dizer não à bomba de neutrões.
Mas a opinião pública de todo o mundo está cada vez mais consciente das consequências catastróficas de uma terceira guerra mundial. Por isso exige que se pare a corrida aos armamentos e que se inicie imediatamente o desarmamento geral, progressivo, simultâneo e controlado.
É este o problema mais importante que é necessário resolver a nível mundial. As Nações Unidas, cientes da importância deste problema, vão realizar uma sessão especial sobre o desarmamento que terá início no dia 23 do corrente mês.
Todo o mundo espera que desta Conferência possa renascer a confiança e a cooperação entre os homens, os povos e os Estados.