Por J. Seabra-Dinis
Revista Paz e Amizade n.º 12, ano III/78, pp. I-XV (Suplemento)
SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE
- Notas gerais:
- Sibéria Ocidental, Sibéria Oriental e Extremo Oriente Soviético
- Estepe, taigá e tundra
- Recursos naturais
SEGUNDA PARTE
- Novossibirsk
- A Cidade dos Sábios
- Sibéria Oriental. O BAM.
- Um sovkhoze de zibelinas
- O lago Baikal
- Irkutsk
- As centrais hidroeléctricas de Bratsk e Ust-IIimsk
- Nota final
Na companhia do presidente da Associação Portugal-URSS, Prof. Ruy Luís Gomes, bem como do Dr. Armando Cotta, membro do seu Conselho da Presidência, e do Dr. Tito Seabra-Dinis, representante da Associação na União Soviética e correspondente da nossa Revista, tive oportunidade em Setembro de 1977 de voltar a visitar este país, para tomar parte no Encontro Internacional das Associações de Amizade.
Já em número anterior de "PAZ E AMIZADE" demos notícia deste memorável Encontro que nos permitiu estabelecer frutuosos contactos não só com congressistas soviéticos, mas também com representantes de Associações de Amizade de vários países, entre os quais os das ex-colónias portuguesas de África.
Depois dos três dias do Encontro foi proporcionada aos congressistas uma viagem pela União Soviética, de itinerário à escolha de cada um. Por sugestão do Dr. Armando Cotta, preferimos uma visita a Novossibirsk, no coração da Sibéria.
Por variadas razões, acima de tudo pelo receio dos tradicionais frios siberianos, foram muito poucos os congressistas que fizeram semelhante opção. Além de nós quatro, apenas escolheram essas remotas paragens um jovem inglês, que pretendia fazer um estudo e consulta especial na famosa biblioteca de Novossibirsk, e dois dinamarqueses, uma jovem de cerca de 30 anos e um escritor ancião, ainda do tempo de Lénine, que conhecera pessoalmente.
De tal modo ficámos entusiasmados com esta viagem que no ano seguinte, nos meses de Junho e Julho, após o I Encontro em Moscovo dos directores das revistas e demais publicações das Associações de Amizade com a União Soviética, esparsas pelo mundo, não desperdiçámos o ensejo de conhecer melhor essas ignotas terras siberianas, ainda aos nossos olhos tão recheadas de legendários mistérios.
As linhas que se seguem são em grande parte consequência dessas duas viagens e do muito que a este respeito pudemos ver, ler, ouvir e dilucidar.
Para muitas pessoas, ainda hoje a Sibéria pouco mais exprime que uma vasta região do globo, carregada de mais ou menos insondáveis e tenebrosos desígnios, de um terrível clima, gelado e inóspito, terras malditas do sem fim ou do fim do mundo, utilizadas pela crueldade dos tsares da velha Rússia para desterro e morte lenta dos inimigos políticos que lhes convinha arredar.
Na realidade, a Sibéria, que tira o seu nome do reino tártaro de Sibir [A palavra Sibir resultou da junção de duas palavras tártaras: sib, dormir, e ir, terra, a exprimir de certo modo longos séculos de silêncio, mistério e hibernação.] conquistado em 1582 para o império russo pelo chefe dos cossacos Iermark (acrescente-se todavia que os Russos só em 1639 penetraram até ao Pacífico), é um vastíssimo território no norte da Ásia, pertencente à União Soviética, com uma área de cerca de 12 milhões de km2 (três vezes mais que a Europa Ocidental e maior que os EUA, que abrange pouco mais de 9 milhões, e que a própria China, que conta 10 milhões de km2). Descomunal dimensão comparável a metade ou mais da face visível da Lua, estende-se por 7000 km desde os Montes Urais a ocidente até ao estreito de Bering e o Oceano Pacífico no oriente, e por 3500 km desde o Oceano Glacial Árctico ao norte até às estepes do Kazakhstão, à Mongólia e à China, no sul. Abrange 8 fusos horários, o que significa que, quando nas costas do Pacífico começa a erguer-se o dia, já vai anoitecendo nos Urais.
A Sibéria preenche 57% de toda a superfície da URSS e faz parte (quase dois terços) da maior das suas 15 repúblicas, a República Socialista Soviética Federativa Russa, cuja capital é Moscovo.
Uma grande parte situa-se ao norte do Círculo polar até 77° e 36' de latitude norte.
O clima é acentuadamente continental com invernos muito frios e longos, com verões curtos e quentes. A estação fria mesmo nas regiões mais temperadas dura dois terços do ano ou mais. É na Sibéria que se registam as regiões mais frias do globo: dizem-me que o recorde mundial do frio é de 78 graus negativos, registados em Oimiakian na Iakútia. A diferença máxima de temperaturas atinge cerca de 100 graus (40 positivos no Verão e 60 negativos no Inverno).
No norte há uma larga faixa de gelo eterno que chega a atingir a profundidade de 300 metros, de que no Verão se derrete apenas uma fina camada superficial.
As temperaturas médias em Janeiro variam na Sibéria Ocidental entre 15 e 30 graus negativos e na Oriental entre 30 e 40 também negativos. Devemos dizer, no entanto, que, quando em fins de Junho, visitámos pela segunda vez a Sibéria, na região de Bratsk, a noroeste do Baikal, mantinha-se durante o dia uma temperatura primaveril de 20-25 graus positivos, tendo chegado no último dia a 28.
O carácter de imensidade inacessível do território foi a primeira profunda impressão que recebemos durante a viagem de acesso à Sibéria. Do avião que nos levou da primeira vez, em voo directo, durante 3 h. e 20 m. de Moscovo a Novossibirsk (mais de 2500 km) e da segunda vez com duas paragens intercalares, durante mais de 8 horas de Moscovo a Irkutsk (mais de 4000 km), junto do Lago Baikal, podíamos avistar lá em baixo, a grande distância, extensões intermináveis de floresta (a tão falada taigá), entrecortada de inúmeros rios e ribeiros ou desertos pantanosos e mosqueada de pequenos lagos ou charcos de água, minúsculos a maior parte deles dada a altura a que os sobrevoávamos.
Devemos confessar que não foi uma sensação de riqueza a que primeiro colhemos, mas antes a de quase completa inutilidade e monotonia. Todavia, as visitas que ulteriormente tivemos ocasião de fazer mais de perto deram-nos, como veremos, a imagem radicalmente oposta.
É de uso dividir a Sibéria em 3 zonas económicas e administrativas principais [Sem contar uma quarta zona, o Extremo-Norte, embora, como diz o geógrafo Pokchichévski, seja sobretudo com esta zona que os estrangeiros costumam identificar o conceito de Sibéria.]:
a) A Sibéria Ocidental, desde os Montes Urais a oeste até ao rio Ienissei a leste, e do Oceano Glacial ao norte até à região das estepes e ao Altai no sul, abrangendo as regiões de Tiúmene, Omsk, Novossibirsk, Tomsk e Kemerovo. O Óbi é o seu grande rio (com mais de 4200 km), cujas águas correm para o norte ao longo da vastíssima planície que ocupa a quase totalidade (nove décimos) da superfície da Sibéria Ocidental e que desce de modo quase imperceptível para o Árctico, em progressiva declinação tão fraca que nos últimos 2000 km antes da foz o leito do rio apenas baixa 109 metros.
Em contraste com este território baixo e plano, erguem-se no extremo sudeste as montanhas do Altai, onde nasce o Óbi e outros importantes rios e em cujo sopé se encontram férteis campos agrícolas, além da extraordinária riqueza de minérios ferrosos e mais ainda não-ferrosos (prata, oiro, chumbo, zinco, cobre, etc.), sem esquecer as minas de pedras preciosas e as maiores reservas de carvão da URSS, calculadas em 450 biliões de toneladas e concentradas na bacia de Kuznetsk, bem como a variedade sapropelite, que pode ser transformada em óleo combustível.
b) A Sibéria Oriental, desde o Ienissei a oeste até às cordilheiras de Stanovai, Djugdju e Koline a leste, abrangendo o território de Krasnoiarsk, as Repúblicas Socialistas Soviéticas Autónomas de Tuvá e dos Buriatos, bem como as regiões de Irkutsk e de Tchitá. Os seus principais rios são, a leste, o Lena com 4400 km de extensão, e a oeste o Ienissei, que caminha, como quase todos, para o norte num percurso de 4100 km, juntamente com o seu maior afluente da margem direita, o Angorá, nascido no Lago Baikal. [Cerca de 60% dos rios que percorrem a União Soviética vão desaguar no Oceano Glacial Árctico; 22% no Pacífico; 8% no Atlântico; e os restantes 10% em mares e lagos internos (Cáspio, Aral, Baikal, etc.). Uma das gigantescas tarefas actuais do homem soviético é operar a redistribuição útil destas correntes fluviais, desviando parte delas para o sul (o aumento, por exemplo, das águas do Volga à custa duma parte do Petchorá e do Dvina Setentrional, etc.), de modo a irrigar e fertilizar vastas extensões desérticas e semidesérticas, áridas ou mal aproveitadas dos territórios meridionais.]
c) O Extremo-Oriente Soviético, desde aquelas cordilheiras às costas do Pacífico, estendendo-se para o norte através da República Autónoma da Iakútia, das regiões de Magadan e Kamtchatka até ao estreito de Bering, que separa a URSS do Alaska norte-americano, e para o sul até à Sakhalina e mais abaixo Vladivostok, na região do rio Amur, rio também longo com 4400 km.
Do ponto de vista da vegetação, podem distinguir-se, grosso modo, três faixas fundamentais caminhando do sul para o norte:
1) A zona das estepes que ocupa de preferência o sopé das montanhas e é constituída mais por terrenos argilosos e arenosos, cobertos pela chamada terra negra («tchernoziome»), riquíssimo húmus, resultante antes de tudo da abundância de água e da decomposição das ervas, muito favorável à agricultura, tal como sucede na Rússia Central. Nela escasseia a pedra de construção, bem como o arvoredo, o qual no entanto se adensa ao longo dos cursos de água.
A zona das estepes subdivide-se numa região agrícola e industrial, servida pelo Transiberiano, e noutra mais pontilhada de lagos e pântanos. Nos vales, ervas e pastagens abundantes.
2) A zona da floresta ou «taigá», que é das três a mais extensa (só por si ocupa dois terços da Sibéria), também salpicada de pântanos, lameiros e lagos, de que ninguém sabe o número certo (muitos milhares, sem dúvida), dada a sua extrema abundância e variabilidade.
Nos espaços arenosos predomina o pinheiro bravo; nas zonas deprimidas, o abeto e o cedro; nas zonas elevadas, a lárice. Mas encontram-se frequentemente também o choupo, a faia, a bétula, etc.
3) A zona da tundra, a que fica mais ao norte. São extensas superfícies, nuas, sem árvores, onde crescem quase apenas líquenes e musgos, também entremeados de charcos sem conta, por sobre uma densa camada de solo eternamente gelado e impermeável («merzlotá»).
Durante o império dos tsares, a Sibéria pouco mais foi, desde pelo menos o século XVII, do que:
a) sinistro e vastíssimo campo de colonização penitenciária;
b) campo de colonização e exploração do trabalho humano especialmente no domínio mineiro (extracção, em condições primitivas, de carvão, oiro, prata e chumbo, fornecimento de madeiras e alguns produtos alimentares);
c) campo de colonização militar-policial;
d) campo privilegiado para os caçadores e negociantes de peles de animais ali abundantes.
Quando os Russos (caçadores de animais de peles valiosas, cossacos e servos «evadidos» que procuravam escapar à opressão feudal) começaram no fim do século XVI a colonizar a Sibéria, a população autóctone não devia ir além de 200 a 300 mil habitantes, que formavam 3 a 4 dezenas de povos aborígenes e grupos tribais, em que se avolumavam os Buriatos e os Iakutos [Os Iakutos (República Socialista Soviética da Iakútia) vivem na zona norte da Sibéria Oriental e pertencem ao grupo étnico turco. Os Buriatos (República Socialista da Buriátia) vivem ao sul dos Iakutos, perto do lago Baikal e pertencem ao grupo mongol.], que hoje somam por si sós 315000 e 295000 respectivamente. Muitos destes povos viviam principalmente da caça e da pesca, continuando ainda mergulhados na idade da pedra ou, como diz Pokchichévski, na idade do «osso», pois alguns, de nível social muito baixo, não usavam mais que instrumentos e aparas de osso ou de madeira, e cosiam as peles com espinhas de peixe. Outros, porém, mais desenvolvidos, em particular os da Sibéria meridional, já tinham ascendido à fase do feudalismo inicial, dedicando-se à pastorícia seminómada e a práticas agrícolas primitivas.
Os rigores do clima, a ausência ou escassez de vias de comunicação e de meios de transporte dificultaram muito tempo a emigração russa voluntária para a Sibéria. Por volta de 1890, as saídas por ano não chegavam a 30000 e 35% dos que se aventuravam nessas regiões morriam no ano seguinte.
Com a construção do caminho de ferro transiberiano, empreendida de 1891 a 1906, e num período de 15 anos emigraram já para a Sibéria cerca de 7 milhões e meio de Russos, em busca de melhores condições de vida ou mesmo da riqueza. Os imensos recursos daquelas terras começavam a tornar-se um atractivo irresistível. De resto, já no século XVIII, o grande sábio russo Lomonóssov tinha previsto isso mesmo quando afirmou: «O poderio da Rússia crescerá através da Sibéria». E o escritor revolucionário Alexandre Radichtchek, que ali esteve deportado pelas autoridades tsaristas, escreveu no final do mesmo século: «Que rica e poderosa é a Sibéria!... Quando for povoada, está destinada a desempenhar um grande papel nos anais do mundo».
Todavia, só após a Revolução de 17, a partir dos anos 20, se iniciou em toda a Sibéria um desenvolvimento [Em 1972, a população da Sibéria Ocidental, Oriental e do Extremo Oriente ultrapassava os 26 milhões de habitantes, dos quais 69% se concentravam nas cidades. A maior parte da população siberiana vive hoje distribuída pelas zonas central e meridional, mais densamente ao longo do Transiberiano e, em escala menor, ao longo dos rios.] racional, impetuoso e generalizado que presentemente, quer pela obra portentosa que o homem soviético já logrou ali levar a cabo, quer pelos incomensuráveis recursos e potencialidades manifestadas, deixa adivinhar ou prever, sem que se esteja a sonhar, a não distante transformação e enriquecimento acentuado das condições de vida (e não apenas do ponto de vista económico) relativamente a todo o país dos Sovietes e a todo o resto do mundo no seu conjunto.
Tal é a salutar atmosfera de inesgotável riqueza e vitalidade que se respira logo que se entra em contacto franco e não preconcebido com as actuais realidades siberianas.
Com efeito, para qualquer lado que se olhe, a contínua impressão de pujança não se esgota. Conta uma velha e saborosa lenda que o bom Deus, depois de ter distribuído pelo mundo algumas riquezas, acabou por despejar as que lhe restavam pelos longes da Sibéria, onde permaneceram por muito tempo mais ou menos escondidas e inacessíveis. São elas que o trabalhador soviético hoje descobre e arranca à terra, ao seu solo e subsolo, aos rios e florestas, no incansável intuito de com elas engrandecer, aprimorar e embelezar a vida humana.
Devemos dizer desde já que todo este imenso labor de valorização e aproveitamento da Sibéria não é hoje entregue, como o foi outrora, apenas ao acaso ou ao sabor de interesses meramente individuais ou da ganância dalgum aventureiro mais ousado. A cerca de 35 km de Novossibirsk, foi construída, de 1959 a 1961, em ritmo mais rápido que o da edificação de Brasília, uma nova cidadezinha, a Cidade dos Cientistas, dos Sábios ou dos Académicos («Akademgorodok»), a que adiante nos referiremos com mais pormenor e que, constituída por diversos institutos científicos especializados, representa por assim dizer, juntamente com outros ainda, o verdadeiro cérebro explorador e planificador de todos os grandes empreendimentos do homem da Sibéria.
Os recursos naturais da Sibéria têm-se revelado duma riqueza e prodigalidade verdadeiramente excepcionais, quer no que respeita aos minerais úteis, à energia hidráulica dos rios, às florestas, à fertilidade das terras propícia à agricultura, quer, entre mais, à abundância e variedade de animais terrestres e aquáticos adequados à pesca e à caça.
Vejamos agora a situação actual dos principais recursos naturais.
De um modo geral, pode afirmar-se que hoje a Sibéria assegura abastadamente as necessidades de toda a União Soviética no que se refere aos mais variados tipos da indústria mineira. Diz-se que ali se encontram quase todos os elementos do quadro Mendeleev. Tão só escasseiam os jazigos de minerais fosfatados que, em contrapartida, abundam na vizinha República Socialista Soviética do Kazakhstão.
1) Carvão. Não será ocioso lembrar que em 1913 as reservas reveladas de carvão em todo o país foram calculadas apenas em 3% das reservas mundiais; em 1937, subiram para 20,7% e em 1958 (Pokchichévski, Geografia de Unión Soviética, Ed. Progreso, 1974, pg. 28) ascenderam a mais de metade (58%). Em 1972, foram extraídas em toda a União Soviética 655 milhões de toneladas de carvão, o que representa já o primeiro lugar no mundo. Ora 90% de todos os recursos de carvão soviético encontram-se na região siberiana da URSS, mais na bacia do Kuznetsk, a maior de todo o país (mais de 450 biliões de toneladas), mas também noutras como as de Tunguska, do Lena, do Ienissei, Cheremkhovo, Kansk, Iakútia, etc.
São carvões de diversos tipos, muitos deles da mais alta qualidade, capazes de produzir excelente coque, e alguns até mais baratos, pois podem ser extraídos quase à superfície por meio de escavadoras.
Também as reservas de turfa da União Soviética (cerca de 158660 milhões de toneladas) compõem mais de metade das reservas gerais de todos os outros países do globo. Uma grande parte dessas reservas situa-se nos Urais e noutros pontos da Sibéria.
2) Petróleo e gás natural. Os jazigos petrolíferos conhecidos do Cáucaso foram já os maiores da União Soviética. A eles se acrescentaram os da zona petrolífera situada entre o Volga e os Urais. Quanto à Sibéria, durante muito tempo se disse que a única riqueza que faltava no seu subsolo era o petróleo. Só em Junho de 1960 é que ali foi perfurado o primeiro poço petrolífero, perto da aldeia de Chaim. E desde 1965, as reservas petrolíferas siberianas em exploração somavam já 24% (cerca de um quarto) do total de toda a União Soviética, prognosticando-se então as reservas potenciais em cerca de 65% (É de lembrar aqui, entre parêntesis, que no concernente às reservas petrolíferas a União Soviética é das primeiras potências do mundo).
A extracção tanto do petróleo como do gás utiliza muito particularmente os abundantes jazigos da Sibéria, não só da Ocidental, mas também da Oriental (Bachkíria, Tartária, Alto Lena, Sakhalina, Kamtchatka, etc.).
O gás natural combustível anda sempre muito próximo do petróleo quer no que se refere à sua génese, quer à sua distribuição geográfica. Calculam-se em cerca de 60 biliões de metros cúbicos as reservas potenciais existentes em todo o país, das quais 70% se situam na Sibéria, Ásia Central e Kazakhstão. As reservas de gás da Sibéria Ocidental são pela sua grandeza únicas no mundo.
Apesar de a indústria do gás natural ser das mais jovens do país (o primeiro gasoduto, de 800 km, de Saratov a Moscovo, data de 1946), em 1974 a rede de gasodutos já atingia 92100 km, com uma produção de 261 milhões de metros cúbicos, e calcula-se que em 1980 serão produzidos 435 milhões, grande parte dos quais saídos da Sibéria (região de Tiúmene, Iakútia, etc.). O petróleo e o gás siberiano estão já a alimentar não só diferentes repúblicas da União Soviética como também, através desses gigantescos tubos da Amizade («Drujba») e da Fraternidade («Bratstvo»), parte das necessidades da maioria dos países do C. A. M. E. e estão já a abrir imensas possibilidades para os próprios países capitalistas, tanto da Europa, como até dos EU e do Japão.
3) Recursos hidroenergéticos. A zona asiática da R. S. S. Federativa Russa possui mais de três quintas partes das reservas hidroenergéticas de toda a URSS. Os rios do Extremo Oriente Soviético e da Sibéria Oriental, muito mais caudalosos que os da Sibéria Ocidental, são muito mais adequados à construção de centrais hidroeléctricas. Citaremos apenas a famosa barragem de Bratsk, já em pleno funcionamento, a mais de 500 km a norte do lago Baikal, que visitámos, juntamente com a sua irmã mais nova de Ust-Ilimsk, de que adiante falaremos um pouco mais, a de Krasnoiarsk (a maior do mundo), a de Irkutsk, a de Saiano-Chuchensk, em vias de construção, a cerca de 600 km a leste de Novossibirsk, perto da aldeia Chuchensk, para onde Lénine foi deportado pelo tsar desde 1897 a 1900, etc.
São também imensos os recursos hidroeléctricos dos rios Lena e do Amur.
Mas, além destes, existem enormes recursos energéticos geotermais pelo aproveitamento das águas termais subterrâneas, como sucede na península de Kamtchatka, onde já funciona o primeiro centro soviético deste tipo.
4) Ferro. São igualmente muito ricas as minas de ferro na Sibéria e no Extremo Oriente. Na Sibéria Ocidental, além das jazidas da bacia de Kuznetsk, já há muito em franca exploração, e doutras ainda, foi descoberta nas terras do Óbi uma extensa região ferrífera, com reservas calculadas até 350000 milhões de toneladas.
Na Sibéria oriental já estão em serviço ricos jazigos de ferro em Minusinsk e Kórshunovo, não tardando também a ser explorados os de Rudnogorsk e de Angará Pits, ao norte de Irkutsk. Existem ainda novos jazigos ferríferos a leste do Baikal e a sul de Iakútia, como também noutros lugares do Extremo Oriente.
5) Metais não-ferrosos. Encontram-se na Sibéria quase todos os metais não-ferrosos, mas mencionaremos apenas alguns dos mais importantes que estão a ser sistematicamente explorados: jazigos de cobre, chumbo, zinco, níquel, jazigos de polimetálicos e de metais raros, como, por exemplo, o volfrâmio, o molibdénio, etc.
6) Lugar especial merece o ouro, de que já antes da Revolução eram conhecidas e exploradas diversas minas na Sibéria Ocidental (região de Lena-Vitin, nas minas da cadeia do Ienissei e ainda noutros lugares).
Hoje, porém, também na Sibéria Oriental foram encontrados ricos jazigos auríferos (Iakútia, Transbaikal, Extremo Oriente, etc.).
7) Diamantes. Presentemente é na Iakútia que se localiza a mais vasta província diamantífera, em exploração.
8) Recursos florestais. É uma das grandes riquezas da Sibéria e do Extremo Oriente. A taigá ocupa ali mais de 500 milhões de hectares, o que representa uma área superior por exemplo à de toda a Índia. A madeira fornecida pela taigá provém na sua maioria de muitas variedades de coníferas, algumas delas altamente valiosas.
9) Produção agropecuária. Pesca e caça. A grande fertilidade das terras negras das estepes começou a pouco e pouco a atrair, já na segunda metade do século passado, os camponeses da parte europeia do país para certas zonas da Sibéria Ocidental. Diferentemente, na Sibéria Oriental, mais afastada e de clima continental mais rigoroso e adverso, a colonização era muito mais escassa, limitando-se a pequenos núcleos, tais os de Minusinsk, da zona vizinha de Kansk e as terras à volta do lago Baikal.
À medida que os exploradores das terras incógnitas siberianas iam avançando mais para leste e dadas as dificuldades de transporte da época, tornava-se cada vez mais difícil, porque mais distante, o transporte de víveres da Rússia Europeia para eles e para as respectivas guarnições militares. Os comboios de trigo enviados demoravam por vezes dois ou três anos a chegar ao seu destino.
Em contrapartida, isso ia obrigando a fomentar a agricultura local.
Com a abolição do regime de servidão em 1861 e sobretudo após a construção do Transiberiano (o mais longo transcontinental do mundo: 7800 km), esse movimento migratório cresceu mais intensamente e desde então até 1917 deslocaram-se para a Sibéria cerca de 4 milhões e 200000 pessoas. Progressivamente, foi-se estendendo uma rede de pequenas povoações que iam crescendo e transformando-se em cidades, algumas das quais alcançaram um desenvolvimento extraordinariamente rápido, como Omsk, Irkutsk, Vladivostok e Novossibirsk, cuja população em 1917 ultrapassava já, em cada uma delas, os 100000 habitantes.
Todavia, só após a Revolução de Outubro e com o desenvolvimento da maquinaria agrícola, a agropecuária passou a avolumar-se significativa e sistematicamente nas terras siberianas, ao mesmo tempo que as diferentes indústrias se iam instalando e a população e a urbanização crescendo a olhos vistos, a tal ponto que uma daquelas cidades, Novossibirsk, atingia já em 1964 um milhão de habitantes, seguida de perto pelas outras.
A cultura agrícola fundamental é a cerealífera, de preferência a do trigo, de que os cientistas fabricaram artificialmente variedades novas, adaptáveis às agrestes condições climáticas, mais duras e resistentes ao frio.
O território do Altai, com uma área de quase 1000 km2, considerado o celeiro da Sibéria, onde se cultivam as melhores variedades de trigo, ocupa cerca de 5 milhões de hectares. Mas desenvolvem-se também muitas outras culturas acessórias, em que se destacam a beterraba sacarina, o linho, o girassol, a soja, o tabaco, a batata, diversas hortaliças, etc.
Simultaneamente é fomentada a criação de gado, quer virada em especial à produção de leite e manteiga (mais nas regiões setentrionais), quer à produção de carne e lã (mais nas estepes do sul).
A caça serve uma actividade de grande rendimento, antes de mais no que respeita aos animais de pelame, que, aliás, constituiu, como já dissemos, um dos principais atractivos dos exploradores e caçadores nos primeiros tempos tsaristas da colonização da Sibéria. Hoje existem mesmo criações artificiais destes animais, como uma de martas zibelinas que visitámos nos arrabaldes do lago Baikal.
A pesca é objecto igualmente de intensa actividade, se bem que muito limitada pelos longos invernos que gelam totalmente rios e lagos. Há, no entanto, grande variedade de peixes em que sobressai o esturjão, donde sai o famoso caviar.
No Extremo Oriente a pesca marítima atinge vastíssimas proporções quer nos mares de Okhotsk e de Bering, quer nas costas da Sakhalina, quer na foz do rio Amur. Predominam os arenques, o bacalhau, os salmões e crustáceos, excelente matéria-prima para uma larga indústria de conservas destinada a consumo interno e exportação.
Também está muito desenvolvida a caça à foca e à baleia.
10) Complexos ou combinados siberianos de produção. O emprego na Sibéria de complexos ou combinados industriais não é recente. Já em 1918 Lénine propusera a criação dum projecto industrial que associasse o minério de ferro dos Urais com a hulha da bacia de Kuznetsk, de modo a aproximar a indústria das fontes de matérias-primas.
Cada complexo dispõe das suas fontes de energia próprias, à volta das quais se desenvolve, o que desde logo vai tornar o empreendimento muito mais viável e económico.
O uso dos complexos ou combinados industriais de produção exprime aliás um princípio geral que se estende a toda a União Soviética e não apenas à Sibéria. Cedo se tornou notável, por exemplo, o primeiro combinado carvoeiro e metalúrgico da Ucrânia.
Assim nasceu nos anos 30, antes da segunda guerra mundial, o combinado Uralo-Kuzbass, aproveitando a proximidade entre as minas carboníferas do Kuznetsk e o ferro dos Urais, tal como sugerira Lénine. Ali se criou um dos centros siderúrgicos mais activos da União Soviética, onde à siderurgia base se juntou o fabrico de máquinas, locomotivas, autocarros, etc.
O estudo das possibilidades de estabelecer por todo o país complexos de produção industrial é levado a cabo por numerosas equipas de cientistas, investigadores e práticos, coordenados pela Academia de Ciências da URSS.
No que concerne à Sibéria, todo o trabalho científico é dirigido e coordenado pela Cidade dos Sábios («Akademgorodok»), filial da Academia de Ciências da URSS, erigida há poucos anos, a sudeste de Novossibirsk, a qual dispõe de secções mais ou menos especializadas situadas em diferentes localidades siberianas. Porque também a visitámos em 1977, a ela nos voltaremos a referir mais adiante.
São já diversos os grandes complexos espalhados por toda a Sibéria a trabalhar em pleno ou em vias disso. Mencionaremos apenas com mais pormenor os que visitámos: o de Bratsk, à volta da grande central hidroeléctrica do mesmo nome, uma das maiores do mundo (18 turbinas e uma produção de 20 milhões de kilowatts/hora de energia eléctrica por ano) construída sobre uma barragem no Angará. Ao complexo de Bratsk, para formar um supercomplexo industrial, associa-se o vizinho combinado de Ust-Ilimsk, também com 18 turbinas, das quais já funcionavam 15 no momento da nossa visita.
Há, porém, muitos outros, de que daremos tão só o nome dos principais: os de Kuzbass e de Novossibirsk, de Tiúmene, Tobolst. Surgut; os três primeiros grandes centros industriais da Sibéria Oriental: os de Kemerovo, de Krasnoiarsk e de Irkutsk; o de Saian, à volta da central hidroeléctrica Saiano-Chuchénskaia, ainda não acabada e que será a maior do mundo, com a potência de 6 milhões e 400 mil kw (o primeiro dos seus 10 blocos, posto em exploração em 1978, tem 640 mil kw de potência), etc.
SEGUNDA PARTE
Novossibirsk
Quando em 1977 partimos pela primeira vez rumo à Sibéria, estávamos nos fins de Setembro e em Moscovo já fazia frio. O avião que nos conduziu descolou do aeroporto de Cheremetievo às 11 da manhã (hora de Moscovo) e chegou a Novossibirsk 3 horas e 20 depois, às 18.20 (hora local, ou seja, 4 horas mais tarde que em Moscovo).
Cá fora a temperatura rondava os 7 graus positivos. Caía uma chuva miudinha. Apesar disso, à saída do avião tivemos uma recepção muito agradável: uma dezena de pessoas de ambos os sexos aguardava-nos em plena pista, com vistosos ramos de cravos vermelhos e brancos nas mãos, que logo muito nos emocionaram, a nós, os do longínquo país da Revolução dos cravos... Não faltaram também os fotógrafos e a TV local.
Seguimos em fila indiana de carros para a cidade até ao Hotel Central, onde nos instalaram. Todos os nossos quartos com TV. Ao presidente da delegação portuguesa foi atribuída a suite, com sala de piano, que em tempos fora preparada expressamente para a visita do então presidente francês Pompidou.
Na manhã seguinte, uma rápida visita pela cidade. Depois de depormos um ramo de flores no monumento a Lénine e outro no monumento aos soldados locais mortos na segunda guerra mundial (a que fazem permanente guarda de honra, apesar do frio, grupos alternantes de 4 alunos da escola secundária, rapazes e raparigas, honra só concedida aos melhores estudantes), fomos recebidos pelo «Gubernátor», o qual, depois de todos sentados à roda duma longa mesa, recheada com apetitosos pratos de fruta variada, bolos e água mineral, nos saudou efusivamente e nos fez uma cuidada e clara exposição sobre a história e o estado actual da cidade, com particular acentuação nos progressos económicos e culturais.
A região de Novossibirsk é uma das maiores da Federação Russa. O aparecimento da capital, a Cidade de Novossibirsk, deve-se à sua privilegiada situação geográfica, ponto de cruzamento do Transiberiano (o caminho de ferro de tráfego mais intenso em todo o mundo) e do gigantesco rio Óbi, não muito longe dos campos de trigo do Altai, o celeiro da Sibéria, da bacia carbonífera de Kuznetsk e das florestas do Natym. O rápido crescimento deste pequeno burgo inicial depressa fez dele cidade, já em 1903, que ficou como certidão de nascimento, então com o nome de Novonikolaievs, em homenagem ao último tsar russo. A partir de 1926 passou a chamar-se Novossibirsk.
O poder soviético foi ali instalado em Dezembro de 1917, mas a 26 de Maio de 1918 os guardas-brancos da cidade e os rebeldes contra-revolucionários checos das forças de Koltchak conseguiram ocupar Novossibirsk e logo procederam a uma aterradora vaga de prisões, torturas e fuzilamentos em massa sobretudo entre os mais activos comunistas, operários, camponeses e soldados. Só a 14 de Dezembro de 1919 o exército vermelho logrou libertar definitivamente a cidade. Hoje na Praça dos Heróis da Revolução, sobre o túmulo comum das 104 vítimas do regime de Koltchak, ergue-se uma tocha ardente esculpida como símbolo da luta imortal dos combatentes pela causa da revolução.
A região de Novossibirsk abrange presentemente uma área de 177800 km2, com 2559000 habitantes, distribuídos por variadas cidades e aldeias. Foi para aqui que, durante a segunda guerra mundial, mais de 200 fábricas foram evacuadas das regiões ocidentais da URSS. Hoje a região possui uma indústria moderna muito desenvolvida, estando a maior parte localizada na própria capital. Indústria pesada e indústrias ligeiras e alimentares.
A agricultura encontra-se também em franco progresso: cerca de 300 grandes sovkhozes e 170 kolkhozes mecanizados. Fornecem principalmente trigo, carne, leite, lã e ovos, a maior parte dos quais sobre uma base de industrialização. Todas as explorações da região dispõem de electricidade que lhes é fornecida por 5 centrais termoeléctricas e pela central hidroeléctrica de Novossibirsk no rio Óbi.
Grande parte da produção da região é exportada não só para os mais diversos recantos da URSS, como ainda para 70 países do mundo.
O primeiro edifício de pedra da cidade de Novossibirsk foi construído em 1910. Hoje a cidade, que em superfície é a terceira em toda a URSS (logo após Moscovo e Leninegrado), conta mais de um milhão e 300000 habitantes, ocupando assim o quarto lugar na República Federativa Russa e o oitavo em toda a União Soviética.
A febre de construção de edifícios processa-se a um ritmo escaldante e pode dizer-se que já metade dos habitantes vive em casas construídas de novo. A artéria principal da cidade é a Avenida Vermelha («Krássni Prospekt») que corta toda a sua zona direita e é bordada por conjuntos arquitecturais de diversos estilos a testemunhar o seu rápido crescimento.
Novossibirsk é o grande centro cultural da Sibéria e um dos primeiros de todo o país. Dispõe de 144 bibliotecas entre as quais a maior Biblioteca científico-técnica da Sibéria, com 8 milhões de volumes [A região possui 1976 cinemas, 1413 clubes e quase 1000 bibliotecas públicas com mais de 14 milhões de livros. A biblioteca da filial siberiana da Academia de Ciências da URSS guarda quase 8 milhões de volumes, incluindo manuscritos antigos e livros raríssimos, e conta-se entre as 9 bibliotecas da URSS que fazem parte do fundo de intercâmbio da ONU. A visita que lhe fizemos impressionou-nos pela grandiosidade, ordem, asseio e eficiência funcional.], 74 Palácios e Casas de cultura, um grande número de escolas de todos os graus para perto de meio milhão de estudantes e 24 mil professores (cada ano metade do orçamento local é consagrado à instrução pública), um museu regional, uma galeria de pintura, uma orquestra sinfónica, uma filarmónica, uma orquestra de instrumentos populares, o Coro Popular da Sibéria, o Conjunto das canções e danças do Círculo militar siberiano da Bandeira Vermelha, 20 grupos de teatro amador, um conservatório de música, escola de dança, música e teatro, bem como uma escola para dirigentes dos Círculos de Arte, um circo monumental, um estádio de gelo artificial, o «Sibir», onde assistimos a um jogo competitivo entre o famoso grupo local de hockey sobre gelo e a equipa de Kiev, uma vasta rede de cinemas, seis teatros, incluindo o Teatro Dramático «Tocha Vermelha», o Grande Teatro da Sibéria, os Teatros de Comédia Musical e do Jovem Espectador, o Teatro Académico de Estado de Ópera e Ballet, etc.
Neste último teatro assistimos a um inesquecível espectáculo de ballet, em que foram admiravelmente representadas a Suite Carmen de Bizet-Chtchedrine e «Barychnia i Khúligan» de Chostakóvitch. Durante o intervalo fomos recebidos pelo director do Teatro que muito amavelmente nos acompanhou numa rápida visita às várias dependências do edifício (uma sala de concertos para 800 espectadores e outra maior para 2000, um curioso museu interior respeitante a diversos aspectos da vida do teatro e dos seus principais grupos de artistas de mais renome, não só na URSS como no estrangeiro (já fizeram tournées por 25 países), sem excluir recordações deixadas por muitos visitantes - lá ficou também a minha lembrança, bem como a flâmula da Associação de Amizade Portugal-URSS), acabando por nos contar sucintamente a história daquele teatro. A segunda guerra mundial surpreendeu-o em plena construção, que teve de ser então interrompida, para, logo após a vitória sobre a Alemanha hitleriana, ser inaugurado com a representação da ópera patriótica de Glinka «Ivan Sussánine».
Em Novossibirsk actuam ainda intensamente filiais das Associações da URSS relativamente aos escritores, aos pintores, aos compositores, aos jornalistas, aos arquitectos, aos cineastas, etc.
Ali se publica também, desde 1927, o mensário político-literário Fogos Siberianos («Sibírskie Ógni»), os diários Juventude da Sibéria («Mólodosti Sibiri») e A Sibéria Soviética («Soviétskaia Sibir»), cerca de 9 revistas científicas e dezenas de jornais editados pelas empresas e pelas escolas superiores.
Novossibirsk é tida igualmente como um centro da ciência mundial. Ali funcionam a Secção siberiana «Lénine» da Academia de Ciências da URSS e a Filial siberiana da Academia de Ciências Médicas da URSS.
A 35 km foi criada a Cidade dos Cientistas, que também visitámos e de que daremos alguns informes a seguir.
Escusado seria acrescentar que o Serviço de Saúde está bem desenvolvido, incluindo uma vasta rede de policlínicas e hospitais, alguns dos quais especializados (Instituto do sangue, Instituto de traumatologia e ortopedia, Instituto de higiene, etc.). A cidade dispõe, para cada 10000 habitantes, de 54 médicos e 127 camas hospitalares.
A CIDADE DOS SÁBIOS
O desenvolvimento rápido e racional das riquezas e recursos quase inesgotáveis da Sibéria implicava, era evidente, a existência dum organismo central superior, espécie de cérebro que pudesse coordenar e comandar as actividades que mais se impunham.
Foi assim que nasceu a Cidade dos Sábios, ou dos Cientistas, chamada em russo «Akademgorodok» (Cidadezinha Académica), a 35 km a sudeste de Novossibirsk.
Iniciada em 1959, estaria pronta em 1961 em tempo recorde. Foi erguida no meio da floresta, com cerca de 6 km de comprimento por 3 de largura. Coordena ademais muitos institutos situados fora, quer na própria cidade de Novossibirsk, quer em outros pontos da Sibéria (Tomsk, Krasnoiarsk, lrkutsk, Ulán-Udé, lakútia, etc.).
São ao todo cerca de 50 institutos de investigação científica, nos quais trabalham mais de 30 000 pessoas, entre as quais 70 Académicos, mais de 380 Doutores e mais de 3000 Candidatos a Doutor em Ciências.
A Cidade dos Cientistas possui uma universidade (há pouco mais de 80 anos apenas existia uma universidade siberiana em Tomsk, com 72 estudantes. Hoje há na Sibéria 7 universidades e 500 centros de ensino superior e médio especializado), uma biblioteca, um conservatório de música, um teatro, vários cinemas, uma imprensa, dois hotéis para os cientistas convidados ou em estágio, um restaurante central e vários outros em diversos institutos, a Casa dos Jovens Inventores e a Casa dos Cientistas, («Dom Utchiónykh») que visitámos, zonas de residências individuais e colectivas para os investigadores, cientistas e demais pessoal, escolas, jardins de infância, armazéns (alimentação, vestuário, etc.), um estádio, uma praia, clube de ténis, um porto com barcos e uma porção de floresta reservada.
O seu primeiro presidente foi o matemático e professor universalmente célebre, o Académico Lavrentiev, que a este propósito escreveu um dia: “A Cidade dos Sábios exigia um clima facilmente suportável pelos Sábios e Académicos habituados a Moscovo e Leninegrado para aqui virem instalar-se e poderem trabalhar normalmente.
O clima de Novossibirsk é excelente: o Inverno muito rigoroso, mas o Verão é admirável. A floresta está à nossa frente, o mar artificial atrás. E as praias de areia fina são mais doces aqui do que à beira do mar Negro.
Há em Novossibirsk 221 dias de sol por ano, contra 93 em Moscovo. Além disso, a Sibéria é excepcionalmente sadia, a tuberculose é aqui praticamente desconhecida.
Prefiro 40 graus negativos aqui a 20 em Moscovo".
No momento da criação da Cidade dos Sábios, os 3 objectivos fundamentais a atingir foram assim fixados por Lavrentiev:
“1.º – Desenvolver a ciência na Sibéria.
2.° – Formar investigadores.
3.° – Implantar na produção as novas descobertas dos cientistas”.
E noutro momento acrescentou: “Os anos 80 do nosso século devem ser marcados pelo desenvolvimento prioritário da Sibéria, da sua ciência, da sua indústria, dos seus transportes, da sua agricultura”.
Nisto se contém o campo fundamental das actividades da Filial Siberiana da Academia de Ciências da URSS.
O seu imediato e actual sucessor é o Académico Martchuk, a rasar os 53 anos, que vive a epopeia e a missão da Cidade dos Sábios com o mesmo amor e ardor do Académico Lavrentiev.
Além de um muito amistoso e animado almoço que nos foi oferecido por alguns cientistas presentes durante a nossa visita, tivemos ocasião de percorrer diversos edifícios: a Casa dos Cientistas, a Biblioteca, o Clube dos Jovens Técnicos, etc.
Por todo o lado nos impressionaram profundamente a ordem e asseio como sobretudo o ambiente agradável de trabalho e o clima de entusiasmo que se respira junto de todos aqueles com quem contactámos.
No último dia que passámos em Novossibirsk demos um belo e inolvidável passeio de barco pelo rio Óbi. Estava um tempo magnífico. Acrescentou-se-lhe a amabilidade dos nossos hospedeiros e da tripulação, sempre solícitos a dar-nos todas as explicações, solicitadas ou não.
– Tudo isto nos parece um sonho! – dizíamos uns para os outros.
(continua no próximo número)
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- Sibéria, embrião de um Mundo novo, por J. Seabra-Dinis (parte II, conclusão)