Por Máximo Ferreira
Revista Paz e Amizade 53, ano 13/88 Março/Abril, pp. 19-21.
No princípio deste século, Konstantin Tsiolkovsky havia já produzido alguns trabalhos teóricos em que fazia referência a possíveis vôos espaciais apontando mesmo a necessidade de foguetões a combustível líquido para tal objectivo. A partir de 1903, numa revista de aviação, publicou uma série de artigos desenvolvendo a teoria dos foguetes e respectivos lançamentos, escrevendo ainda acerca dos indispensáveis fatos espaciais, da futura colonização do sistema solar e sugeriu mesmo a possibilidade de uma estação espacial permanentemente em órbita terrestre. Falecido em 1935, o "pai da cosmonáutica teórica" não chegaria a ver realizado o seu sonho e aplicadas, na prática, as ideias que havia desenvolvido mas, em 1957, ano de centésimo aniversário do seu nascimento, a União Soviética lançava no espaço o primeiro satélite artificial. O Sputnik I constituía não só uma homenagem a Tsiolkovsky como também o primeiro passo para a confirmação da frase inscrita no seu túmulo - "A 'humanidade não ficará eternamente presa à Terra"!
De facto, um mês depois da data memorável de 4 de Outubro de 1957, era lançado o segundo Sputnik já com sofisticados instrumentos de pesquisa e tripulado pela cadela Laika. Em Maio de 1958 foi enviado para o espaço o Sputnik III, já um autêntico laboratório, em que uma boa parte dos mais de mil e trezentos quilos eram equipamentos que analisaram, e transmitiram os resultados obtidos acerca de variados aspectos da atmosfera terrestre e radiação solar mas, essencialmente, sobre a distribuição, no espaço, do campo magnético do nosso planeta e o seu efeito na condução de partículas e radiações cósmicas, constituindo como que uma "ratoeira" onde elas podem deslocar-se durante muito tempo segundo trajectórias praticamente fechadas. Eram assim detectadas regiões de forte intensidade do magnetismo terrestre conhecidas nos nossos dias pela designação de "zonas de Van Allen".
A 2 de Janeiro de 1959, sábios, engenheiros e operários soviéticos completavam, com êxito, a tarefa de lançar o primeiro foguetão espacial, o Luna 1, que passaria à pequena distância de cinco mil quilómetros da Lua para depois se tornar um satélite artificial do Sol e, em Setembro do mesmo ano, o Luna 2 tornava-se a primeira nave a atingir a Lua para, um mês depois, o Luna 3 entrar em órbitra lunar e transmitir as primeiras imagens da face oculta do nosso satélite natural.
Caminhava-se a passos largos no domínio da tecnologia espacial e, as experiências efectuadas com animais, por várias vezes lançados, indicavam que as naves poderiam ser tripuladas pelo homem.
Na manhã de 12 de Abril de 1961, no cosmódromo de Baikonur, uma estrutura metálica com perto de trezentos mil quilos e quase quarenta metros de altura, apontava para o espaço! Tratava-se de um míssil balístico intercontinental, reminescência da Segunda Grande Guerra Mundial, em cuja extremidade estava agora, em vez de uma carga explosiva, a nave espacial Vostok. No seu interior, o jovem piloto da Força Aérea Soviética, Yuri Gagarine, estava prestes a tornar-se o primeiro homem a orbitar a Terra. Pouco passava das nove horas quando o foguetão foi disparado e, lentamente, a nave começou a elevar-se marcando assim um momento histórico para a humanidade interpretado pelo próprio Gagarine como sendo"... os possantes motores do foguete a criarem a música do futuro!". Em oitenta e nove minutos foi executada uma volta em torno da Terra a distâncias que variavam entre cerca de cento e oitenta, e trezentos e trinta quilómetros, e a uma velocidade próxima de trinta mil quilómetros por hora. Cento e oito minutos depois do lançamento Gagarine regressava ao solo e estavam abertos à humanidade os caminhos do cosmos que viriam a permitir ao homem reconhecer, sob certo ponto de vista, a sua pequenez física e a do próprio planeta em que nasceu mas, por outro lado, a reconhecer a beleza e valor do planeta Terra e ainda a inesgotável capacidade humana de, pelo trabalho e perseverança, desvendar mistérios, e penetrar na imensidão dos espaços siderais.
Em pouco mais de vinte e cinco anos são já incontáveis as naves que, de fora da Terra, estudaram o espaço exterior ou o nosso próprio planeta e ainda aquelas que se afastaram com o fim de investigarem os componentes do sistema solar. Não pode deixar de se considerar espectacular o sucesso das sondas que, entre 1970 e 1976, comandadas automaticamente, desceram na Lua e se deslocaram vários quilómetros, transmitindo imagens e resultados de análises do solo realizadas em perto de um milhar de pontos diferentes, regressando depois à Terra com amostras do "chão" do nosso satélite natural.
Em 1982 as sondas Venera 13 e 14 desceram suavemente na superfície de Vénus e, sob uma pressão atmosférica quase cem vezes superior à da Terra e a temperatura próxima de quinhentos graus, transmitiram imagens de um detalhe até então nunca obtido. Três anos depois nova visita ao planeta "infernal", agora por sondas largadas pelas naves Vega que se dirigiam ao encontro do cometa Halley, mais um notável prodígio da ciência e da tecnologia a permitir, depois de alcançados os objectivos em relação a estes dois astros, continuar a utilizar os equipamentos ainda em funcionamento, admitindo-se a hipótese de orientar as naves para a região dos asteróides e assim obter elementos que aumentem a probabilidade de êxito do projecto Fobos. Tal projecto, em que participam investigadores da União Soviética, Áustria, Bulgária, Alemanha Ocidental, França, Alemanha Oriental, Finlândia, Polónia, Hungria, Suécia, Checoslováquia e a própria Agência Espacial Europeia, consiste em alcançar aquela lua de Marte. Durante os sete meses que dura a viagem, diversos instrumentos serão utilizados em observações do espaço interplanetário entrando em órbita marciana no princípio do próximo ano, em posição que permitirá, durante dois meses, permanecer relativamente perto de Fobos. Os poderosos propulsores farão a nave "baixar" dos trinta quilómetros de distância a apenas cinquenta metros e, daí, será produzido um disparo de raio laser com uma energia próxima de dez milhões de Watts o qual atingindo uma área de apenas um milímetro quadrado, produzirá a evaporação dos constituintes do solo, que assim serão analisados. Para o Académico Yuriy Zaytsev este "laser de paz" permitirá estudar Fobos sem o poluir, o que aconteceria se se optasse por fazer descer nele qualquer nave.
Mercê das experiências realizadas permanentemente em estações orbitais nas proximidades da terra e o aperfeiçoamento que se obterá nos métodos de controlo à distância com os voos automáticos às proximidades de Marte, será possível antever o êxito do projecto de fazer chegar ao planeta vermelho uma nave tripulada por volta do ano dois mil.
Então, terá sido dado mais um passo no sentido da realização do sonho de Tsiolkovsky - a colonização e domínio do espaço, entendidos estes conceitos como a capacidade do homem em utilizar o cosmos, exclusivamente para fins que contribuam para a sua felicidade. Para além disso, a chegada a Marte provocará, uma vez mais, nos cidadãos soviéticos, tal como afirmava em 1959 o Académico Alexandre Nesmeianov, "um sentimento de orgulho pela sua grande Pátria, suscitando ainda a admiração de toda a humanidade"!